Uma amiga de Passa Quatro convidou-me a visitar uma fazenda onde um monjolo centenário havia sido restaurado. Para os urbanos, explico: monjolo é uma máquina simples, rudimentar, movida a água corrente, desviada por meio de um canal ou tubulação de um córrego ou rio. Trabalha na forma de uma balança romana – duas hastes que se equilibram em um eixo - e sua finalidade é pilar (tirar a casca) ou reduzir a pequenos pedaços grãos de arroz, milho e café.
Conversei com o Zé Garipu, mestre em fazer e consertar tudo o que é prático nesta vida, e ele me explicou como se faz um monjolo. Escolhe-se uma árvore de madeira dura - as preferidas são jacarandá, maçaranduba, peroba, canela preta ou guatambu. Deixa-se o tronco o mais reto possível e, em uma das extremidades, com o machado e uma enxó goivada, escava-se um cocho. Este lado deve ser mais leve do que o outro para que o recipiente possa encher de água, ganhar peso, baixar por gravidade e deixá-la escorrer. A operação faz o outro lado subir e, sem o contrapeso, cair com força no pilão.
Paciente, o Zé continua a me explicar: com as peças no lugar faz-se a calibração das hastes, os dois lados, apesar dos seus tamanhos diferentes, devem ter o mesmo peso. Na junção, onde se dá o equilíbrio, coloca-se dois troncos fincados firmes no chão, para dar suporte ao eixo que atravessa o tronco principal. A este conjunto dá-se o nome de virgem. Tudo tem que ser muito forte porque um monjolo trabalha dia e noite durante anos. O ideal é que o aparelho faça quatro ciclos completos por minuto, isto é, quatro batidas de pilão. Alguns chegam a pilar até trinta litros de milho em uma hora e meia. O barulho é intermitente – chuááá; tuc; chuááá; tuc... Trabalhar de graça, só monjolo - diz a sabedoria popular.
Feito o equilíbrio, instala-se a tubulação que vai conduzir a água ao cocho, ajusta-se mais um pouco e depois é só colocar o material a ser triturado e deixar a máquina trabalhar. O processo para se fazer farinha de monjolo é assim: pila durante certo tempo, tira o milho e coloca-o na água por oito dias, seca e depois volta para o pilão, sendo que de tempos em tempos o material deve ser retirado e passado em peneira. O resultado é tão bom que um amigo de Curitiba ficou apaixonado pelo sabor do fubá produzido aqui na Mantiqueira pela dona Nair. Faço um escambo com ele: levo alguns quilos de fubá e ele me dá em troca alguns pacotes de um bom café produzido na sua cidade – Rio Bom - no Norte do Paraná.
Esses dias ouvi um senhorzinho dizer: antigamente a canjiquinha era mais saborosa porque o pessoal colocava cinza no pilão para que a casca do milho saísse com mais facilidade e, como resultado, ficava aquele gostinho de queimado na canjica. De acordo com a necessidade, o pilão nos proporciona diversas finuras de farinha de mandioca ou milho e com elas fazemos a canjicada mineira, conhecida no Paraná por quirera ou angu de milho moído. Os alemães deram o seu toque ao criar a quirera com carne suína: costelinha e embutidos. No Nordeste é chamada de xerém e no Espírito Santo de péla égua, isto, é comida quente que reconforta e reanima. Também derivam dos sistemas monjolo/pilão/moinho a polenta, a broa, o cuscuz e muitos outras delicias da culinária brasileira.
Muito antes da chegada dos portugueses os indígenas já faziam comida semelhante, ao colocar o milho por várias horas na água, depois esmigalha-los com pedras e colocá-los em porungas perto das brasas cozinhando-o lentamente. Com o incentivo dos padres adotaram logo o pilão e o monjolo. Deu tão certo que eles começaram a negociar com os tropeiros o fruto do seu trabalho – trocavam o milho socado por açúcar.
Os historiadores dizem ter sido Brás Cubas, fidalgo português que esteve na Ásia com Martim Afonso de Souza, quem trouxe a ideia do monjolo da China - onde era usado para descascar arroz - e o instalou na colônia de São Vicente. Aqui encontrou o milho e ganhou o gosto dos novos moradores do Brasil-Colônia. Associado à cultura indígena, era denominado por eles por enguaguaçu (grande pilão). Alguns dicionaristas dizem que a palavra tem origem sânscrita, vindo de musala, que significa pilão para descascar arroz. Outros acreditam que é uma palavra de origem africana, mas não podem dar certeza até que se identifique de qual região ela veio.
Seja qual for a sua origem, o monjolo e o pilão continuam teimosamente fazendo o seu trabalho por estes grotões do Brasil. Para muitos, são peças de museu, para outros, instrumentos de trabalho. E para alguns, inspiração musical - como a letra deste gostoso xote de Zé Dantas e Luiz Gonzaga: “...vem cá, cintura fina, cintura de pilão, cintura de menina, vem cá meu coração...”
• Soca pilão é música do Trio Parada Dura.
Eloi Zanetti
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