Olha pro céu meu amor, vê como ele está lindo...*
*composição de Luiz Gonzaga e José Fernandes
Morando em um lugar ermo na Serra da Mantiqueira, longe de qualquer fonte de luminosidade intensa – cidade –, posso, nas noites limpas, observar a Via Láctea e todo o seu esplendor. Muitas vezes ela me surpreende, ora ocupando um espaço mais estreito no céu, cruzando-o de ponta a ponta, ora se espalhando por todo o firmamento, fenômeno que acontece após alguns dias de chuva o que deixa a atmosfera mais limpa. A possibilidade de poder observar tantas estrelas causa deslumbramento aos amigos visitantes que por morarem em cidades grandes não estão habituados a ver tantas estrelas juntas.
Um menino, filho de um amigo, perguntado pelo pai sobre o que mais o havia admirado ao nos visitar, respondeu: a escuridão. Uma senhora, ao se confrontar com a noite escura, ao sair do quarto onde se hospedava, prendeu o fôlego e deu dois passos para trás por puro medo. Uma brincadeira que faço ao andar pela trilha na floresta à noite com meus amigos é pedir a eles que apaguem suas lanternas por alguns instantes – para quem não está acostumado ao escuro total, imediatamente advém um momento de pavor. Alguns pedem que depressa se acendam as luzes, mas é justamente esta escuridão que nos dá a possibilidade de observar melhor as estrelas.
Costumo acordar no meio da noite para olhar o céu e, certa vez, senti estar frente a um belíssimo cenário de ópera tal era a composição das cores das nuvens, montanhas e estrelas: pinceladas celestiais de um cinza escuro nas bordas da paisagem somadas à luminosidade tênue de uma lua crescente, meio avermelhada ao centro. Fiquei extasiado, como se esperando um tenor entrar em cena para dar início a um espetáculo de Verdi. Também já vi céu estrelado e ao longe, bem de trás das montanhas o pipocar intermitente de relâmpagos. Um acontecimento não combinava com o outro: céu limpo e relâmpagos ao fundo ao mesmo tempo. Aqui também existe um tipo de vagalume, cuja luminescência está nos olhos. Em certas noites podemos observar um céu estrelado acima de nós e, ao mesmo tempo, dezenas de luzes piscantes, oriundas do bailar desses insetos. A gente fica sem saber se olha para o céu ou para os vagalumes.
Ao estudar a origem do nome Via Láctea fiquei sabendo que os guaranis a chamavam de O Caminho do Tapir (anta) e que no seu final, na linha do horizonte, era o lugar onde ele, o tapir, ia beber água. Já os espanhóis, entre outros nomes, a chamam de Caminho de Santiago, porque servia de orientação aos antigos peregrinos para se localizarem e chegar à Santiago de Compostela ou campo das estrelas. A minha versão preferida é a da mitologia grega que diz que as estrelas são oriundas das gotas do leite derramado dos seios de Hera quando Hércules, ainda bebê, sugou seu seio com tanta força que ela, sentindo dor, retirou-o do seio e o leite derramou-se no firmamento – daí o nome Via Láctea, ou “estrada do leite”.
Aprendi também que a palavra desejo vem de desidere cujo significado é “olhar firmemente uma estrela - a do desejo”, no Hemisfério Norte representada pela estrela Polar. Magistralmente retratada no filme Pinóquio de Walt Disney na cena em que Gepeto pede que o seu boneco de madeira vire um menino de verdade.
Apesar de ter visitado vários planetários e recebido aulas ilustrativas sobre as estrelas, não consigo identificar as constelações e suas posições. Na minha simplicidade sei localizar apenas, o planeta Marte, as Três Marias e o Cruzeiro do Sul. Tampouco, apesar de ter tentado entender, compreender o sistema que fazia os antigos navegantes se orientar pelas estrelas.
Conversando com um astrônomo do planetário de Brasilia ele me explicou que mais de 60% da poeira que encontramos em nossas casas é oriunda das estrelas, isto é, poeira estelar.Contei isso a uma senhora que fazia trabalhos domésticos em nossa casa e, tempos depois reclamando em voz alta que não entendia porque tanta poeira em casa, se estamos no meio do mato, sem estradas por perto. Ela aproveitou a deixa e disse maliciosa: é poeira das estrelas, seu Eloi.
Eloi Zanetti – eloizanetti@gmail.com.br
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